FORÇA LUANDA, TUDO PASSA!!

Luanda já foi uma cidade bonita. “Mas o sofrimento fez dela uma cidade feia. Há lixo nas ruas esburacadas e boiando nos esgotos a céu aberto, carcaças de automóveis envelhecendo ao sol, muros onde se lê apelos inúteis do tipo “Proibido mijar” e “Proibido deitar lixo” ou “Nós queremos a paz em Angola” e “Força Angola, tudo passa”.  (Angola, 38 anos de guerra – José Rezende Jr.)

Conheci Luanda já bem recuperada, mas ainda longe de ser a cidade que poderia ser. Tentei achar uma maneira de definir Luanda e achei várias: capital da alegria, da esperança, do caos, do sofrimento, da corrução…

Até hoje não se deram ao trabalho de por nome nas ruas e numerar as casas em Luanda, depois da guerra. Na maioria dos bairros, ninguém tem endereço. Quase impossível enviar uma correspondência para os amigos que lá deixei. Por outro lado, quase todo mundo tem um celular, que funciona como endereço e quase um documento de identidade. Se eu quiser mandar alguma coisa pelo correio, escrevo o número do telefone do destinatário no envelope e o correio se comunicará com a pessoa para ir buscar sua encomenda.

Um fato interessante aquece a economia em Luanda. Parece que todo mundo está na rua vendendo alguma coisa. Roupas usadas, sapatos usados, bonés, óculos, roupas de cama, toalhas, vi de tudo por lá. São as doações vindas de outros países. Tudo se transforma em mercadoria para vender. Isso tem o lado bom, afinal todo mundo está ganhando um trocadinho, já que um mínimo da população tem oportunidade de emprego. São milhões de pessoas nas ruas e nas praças vendendo de tudo que você imaginar. Numa das igrejas onde trabalhamos, de 700 pessoas apenas 3 a 4 delas tem um emprego.

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Créditos foto: Jorge Alberto (opatifundio.com/site/?p=1471)

“Em Luanda existem três mercados populares muito famosos. Um deles é o Roque Santeiro, o maior mercado a céu aberto da África… Há também o mercado São Paulo e o mais famoso de todos: o Mercado da Rua. O Roque Santeiro fica perto do porto e  vende de tudo, mas quando eu digo tudo é tudo mesmo… Somos aconselhados a não parar ali. Aliás, pulo (branco) entrar ali sozinho é pedir para ser assaltado. Nem os próprios angolanos querem nos acompanhar até lá.” (opatifundio.com/site/?p=1471)

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Uma amiga angolana me disse que a maioria das doações que chegam à Angola destinadas ao povo carente vai parar numa esteira, num pedaço de tecido ou carrinho de pedreiro pra ser vendido na rua. Eles compram os “fardos” de coisas usadas e saem vendendo nas ruas e praças, enquanto não tem que sair correndo para escapar da polícia. Às vezes a “lojinha” é apenas um varal na porta do barraco. O pior de tudo é ver carne e pão sendo vendido em carrinhos de pedreiro à descoberto pelas ruas. Cobertos de poeira.

GUERRA… SÓ SABE QUEM VIVEU… E SOBREVIVEU.

Há tempos idos, Angola era considerada a pérola da África, quando os  colonizadores portugueses a governaram (e a escravizaram…). Mas chegou a hora de passar as rédeas para os próprios angolanos, o que deu início a uma Guerra pela Independência, ou Guerra Colonial de 1961 a 1975. Após a independência, seguiu-se a Guerra Civil pelo poder. No total, 38 anos de guerra. Dois partidos se mutilaram, se arruinaram, se aniquilaram, matando três quartos da população de 1975 até o ano 2002, quando resolveram dar uma trégua. Muito sangue foi derramado, muitas famílias desfeitas, grande parte do país foi destruída. Como resultado, as estatísticas dão conta de 10 mulheres para cada homem em Angola, depois da guerra (as mulheres são a grande maioria da Igreja em Angola).

“Uma tragédia pode durar uma hora, uma semana, um mês, ou apenas um minuto. Uma tragédia pode ser um acidente, uma enchente, um terremoto, uma guerra, ou várias tragédias em cadeia. Em Angola, aconteceram milhões de tragédias com o nome de guerra civil e durou 38 anos: 2 milhões de mortos, 1,7 milhão de refugiados, milhares de órfãos, 200 pessoas mortas de fome por dia, 80 mil crianças, velhos, homens e mulheres mutilados pelas milhões de minas semeadas pelo país afora …e na maioria das vezes, não havia tempo para velório. Muitos corpos passaram meses estendidos nas ruas, até que deles nenhuma carne mais restasse. Ficavam lá, apodrecendo. De vez em quando, passava um cachorro magro com uma mão, um crânio, uma costela de gente na boca.” (Angola, 38 anos de guerra – José Rezende Jr.)

Este é um dentre milhares de textos que retratam o que é uma guerra. No entanto, por mais que a gente leia e se informe, nunca vamos saber exatamente o que é uma guerra, a não ser quem passou por ela… e sobreviveu. Por esta razão posto aqui algumas fotos de blogs, com os respectivos endereços, para quem tiver interesse de saber mais.

Durante os dias que estivemos em Angola, entrevistamos vários irmãos, irmãs e pastores que sobreviveram a essa guerra e nos emocionamos ao ouvir testemunhos incríveis do cuidado de Deus no meio do horror. O resultado será um livro que esperamos chegue às suas mãos para informá-lo melhor da necessidade de ajudar a Igreja do Senhor, parte da sua família cristã em Angola.

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Chacina de trabalhadores em Nambuangongo        Foto Horácio Caio. http://petrinus.com.sapo.pt

ANGOLA – UM POBRE PAÍS RICO

Aos poucos fomos descobrindo Angola. Um país tão rico e tão pobre! Rico em petróleo e diamantes, mas monopolizado por poucas pessoas e 80% do povo vivendo num caos. A África que conhecíamos pela televisão é muito diferente da que conhecemos pessoalmente. Não visitamos o interior de Angola, mas alguns amigos angolanos declararam que a vida em algumas províncias, embora pobre, ainda é melhor que o caos urbano que eles vivem nos bairros de Luanda, a capital. Milhões de pessoas amontoadas sem a mínima infra-estrutura. Não existe rede de esgoto na maior parte da cidade. Onde existe, muitas vezes, está entupido e exposto. Quando tem água, não tem luz.

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crédito da foto: jornalf8.net

Por um longo tempo, não se levantou uma parede sequer em toda a Angola. Apenas destruíram o que já havia erguido. Quando a guerra acabou, o povo começou a voltar dos países vizinhos onde haviam se refugiado, e das matas onde alguns se esconderam. Todo mundo queria tentar um recomeço na capital. Criou-se o caos urbano. Gente demais, casas de menos. Começam as construções desordenadas e surge um problema quase sem solução. O governo abre as portas ao capital estrangeiro e começa uma invasão de chineses, indianos e muçulmanos em geral. Empresas estrangeiras de construção e de comércio em geral começaram a se estabelecer em Luanda e, de 3 anos pra cá, houve uma verdadeira invasão.

O governo decide começar uma nova cidade e manda construir Kilamba, uma cidade dentro de outra cidade. Tudo novinho, e com regulamentos de toda ordem para o bom funcionamento. Mas a grande maioria dos angolanos não tem dinheiro pra pagar pelas moradias e surge todo tipo de críticas e especulações e a apelidam de Cidade Fantasma. Bem, estive lá e achei muito lindo. Mas eles é que sabem onde o calo aperta.